Escrito pelo Henrique (o pai) ;)
Brincando de ter
Lutar contra o consumismo é tarefa árdua de vida inteira, contra vícios e confortos.
Ele é cultural antes de tudo, uma escolha feita por nossos pais para nós e consequentemente nossa para nossos filhos. Selamos pelos nossos pequenos o contrato com esse modo de vida, na esperança de garantir à eles uma vida com segurança e conforto. Ninguém tem direito de condenar isso.
A responsabilidade dos reguladores do consumo é enorme tratando disso.
Desde o momento que a publicidade deixou gradualmente de ser informativa para ser emocionalmente apelativa, as crianças viraram alvo fácil. A expressão “mais fácil que roubar doce de criança” deveria ser mudada para “mais fácil que vender doce pra criança”...
Desde que o bacuri aqui de casa nasceu, percebi como ele é puro coração. Toda criança é, para o bem e para o mal. Se ela for atingida certeiramente por imagens alucinantes associando uma canetinha qualquer à aventura diversão ou status social, ela vai acreditar nisso. Consequentemente os pais serão atingidos, pois o sentimento de “prover” é imediato (o mesmo sentimento que nos leva à assinar metaforicante o contrato com consumismo, rs)... não que eu ache que seja impossível negar, mas ouvir o filhote pedindo algo, mexe em algo profundo e ancestral dentro dos sentimentos familiares... São muitos sentimentos em jogo, das crianças e dos pais. Isso é muito sério.
A propaganda no geral opera na lógica do “você é o que você tem”. Isso sendo inchuminado na cabeça de uma criança, que PRECISA ser socialmente aceita, por ser dependente e frágil , é no minimo desastroso. Com isso não é de se estranhar que “ter” virou em si uma diversão. Brincar com o objeto desejado não é objetivo. Comprá-lo basta. Só que essa é uma diversão muito curta e rápida, que precisa de repetidas doses, num circulo vicioso de carência sem fim.
Um adulto supostamente tem condições psicológicas de lutar contra isso, mas uma criança não. Ela precisa demais da gente para se dar ao luxo de negar nosso modo de vida, ela não tem essa independência.
Sob pretextos esdrúxulos como “liberdade de expressão” a publicidade luta contra as tentativas de regulamentar sua abordagem nos pequenos. Não é a liberdade de expressão que está em jogo, mas sim a responsabilidade de expressão. Vivemos teoricamente num estado de responsabilidade social, os comunicadores trabalham sob concessão estatal. Eles têm SIM responsabilidade sobre seus conteúdos e sobre a formato deles.
Outro argumento comum é que a responsabilidade é dos pais. Que devem educar seus filhos à consumir o necessário à uma vida confortável, sem se render aos inofensivos apelos da propaganda. Isso é absurdo. A propaganda hoje é viral, ela se espalha por qualquer midia disponível. Para impedir que o Linus deseje, sei lá, um liquidificador do correspondente futuro ao Ben 10, eu precisaria criar em torno dele cordão de isolamento parrudo, mantê-lo sob forte vigilância, impedi-lo inclusive de conversar com os colegas, selecionar seus amigos, já que a propaganda é tão cultural que praticamos ela diariamente, pagando por isso ainda por cima. Essa vida num faz sentido para mim. Não acho aceitável manter meu filho numa bolha moral só porque os comunicadores estão dispostos à qualquer coisa pra vender a mais nova quinquilharia.
Para se imunizar de tudo isso só resta tapar os olhos, os ouvidos e a boca.